“Crédito ou débito? - Quem pergunta é o pastor da Igreja Internacional da Graça de Deus que recolhe o dízimo e outras doações munido da máquina para registrar operação com cartão de crédito."
O trecho acima introduz a matéria Templo é dinheiro, da jornalista Sarah Corazza, da revista paranaense Ideias. A matéria é resultado de um mês de visitas a templos neopentecostais de Curitiba, quando a autora constatou que os “neopentecostais fazem sucesso de público e de bilheteria.” Segundo Corazza, houve um tempo em que Curitiba era conhecida como a “cidade das farmácias”, dada a quantidade de farmácias por metro quadro. Hoje a realidade é outra: são os templos neopentecostais que chamam atenção.
Presentes na capital paranaense desde pelo menos o começo dos anos 80, uma das que mais se destacam é a IURD, que, segundo a reportagem, adquiriu a antiga fábrica Matte Leão para abrigar o seu rebanho que não para de crescer. A jornalista atribuí tal façanha ao crescimento desenfreado e ambicioso dos cofres da instituição.
“Logo se vê que as neopentecostais fazem sucesso não apenas de público, mas também de bilheteria. É incalculável o que arrecadam diariamente. O suficiente para abrir templos e também para financiar o proselitismo eletrônico que ocupa boa parte do horário televisivo e radiofônico. Isso custa dinheiro. Muito dinheiro. Tanto que a Universal do Reino de Deus, do financista e bispo Edir Macedo, comprou a sua própria rede de televisão.” [1]
O que vemos em Curitiba se perpetua por todo o país e atravessa as fronteiras, com adeptos nos EUA, Europa e também nos países abaixo do Saara. Não apenas a IURD, mas também boa parte das igrejas neopentecostais vivem o bom da ignorância de milhares de brasileiros que diariamente peregrinam para seus templos em busca de cura e prosperidade. São massas sem doutrina que orbitam em torno de crendices populares e sessões de descarrego da Igreja Universal, passando pelas campanhas do sabonete ungido da Graça de Deus e do lenço abençoado do Valdomiro. Isaltino Gomes Coelho completa.
“As igrejas neopentecostais, e a IURD é o maior exemplo, não são compostas de pessoas envolvidas em uma Koiononia cristã. A maior parte não se conhece. Não há um projeto eclesiástico comum aos frequentadores, que são apenas clientes que buscam uma resposta mágica para seus problemas”. [2]
Essas igrejas, diria Antonio Gouveia Mendonça em sua obra “O Neopentecostalismo, Excerto de Estudos da Religião”, são controladas por pessoas ou por grupos sem dever para com os clientes, a não ser passar-lhes um produto, normalmente sob contribuição financeira. São usuários sem os direitos e sem um procon ao qual recorrerem. Consomem o produto, mas não têm poder de ingerir no sistema.
De acordo com o sociólogo Ricardo Marinho, autor de “Neopentecostais – Sociologia do Novo Pentecostalismo no Brasil” -, “a preocupação dos neopentecostais é com esta vida. O que interessa é o aqui e o agora”. Essa citação consta da matéria “Evangélicos, quem são eles, por que crescem tanto e o que essa expansão significa para o Brasil e para o mundo”, publicada em fevereiro de 2004 pela revista Super Interessante. Nela, o jornalista Sérgio Gwevman faz uma análise do crescimento dos evangélicos brasileiros e atribui ao Neopentecostalismo um papel central nessa expansão. Uma das características do proselitismo praticado pela IURD, segundo Gwevman, é a atribuição aos demônios boa parte dos males que atingem os fieis.
“Para os neopentecostais, os homens não são responsáveis pelos atos de maldade que cometem: é o Diabo que os leva a pecar. Numa sessão de descarrego da Igreja Universal, o pastor explicou que, se o fiel enfrenta um problema há mais de três meses, é provável que esteja carregando um encosto. ‘Se a dificuldade completar um ano, daí não há dúvida: a culpa é do demônio’, disse a congregação. Ele não se referia só a entraves financeiros ou comportamentais. A receita vale para tudo, inclusive para doenças incuráveis. Assim, expulsar o demônio do corpo é a receita única para todos os males, de casamento infeliz até câncer no pulmão”. [3]
Wemerson Marinho, em sua análise “Pontos Discutíveis do Movimento Neopentecostal” levanta estas e outras questões relacionadas ao sistema litúrgico e isolamento espiritual que são submetidos os frequentadores das igrejas neopentecostais. Ele cita, entre outras coisas, a falta de uma liturgia eclesiástica e a pouca atenção dada às Escrituras Sagradas como a única regra de fé e conduta.
“Os neopentecostais afirmam que a Bíblia é a Palavra de Deus e, com isto, nós concordamos. Mas para eles, a palavra dos “profetas”, dos visionários, também é a Palavra de Deus. E, por isto, baseiam suas vidas e suas doutrinas também em visões, ‘novas revelações’ e em experiências místicas.” [4]
Esse é o ponto “x” da questão colocada pela maioria dos estudiosos do movimento, ou seja, a falta de uma doutrina sólida acompanhada de um discipulado sistêmico e bíblico. Há casos de indivíduos que se deixam batizar por mais de cinco vezes nos templos da IURD por acreditar que tal prática irá “purificá-lo por completo” (sic) como se as águas batismais possuíssem qualquer poder a não ser o simbolismo que proporciona aos verdadeiros nascidos da água e do Espírito.
É a falta de uma hermenêutica sadia a causa da maioria das crenças e práticas impuras praticadas pela liderança da IURD, segundo conclui o dossiê “Análise da Teologia e Práxis da Igreja Universal do Reino de Deus” publicado pela Igreja Presbiteriana do Brasil e que se encontra disponível no livro “Igreja Universal do Reino de Deus – Sua doutrina e prática” (S. Paulo: Editora Cultura Cristã, 1997 p. 28). O documento faz a seguinte afirmação com relação à maneira como os líderes da IURD interpretam as Escrituras.
“O método de interpretação das Escrituras utilizado por bispos e pastores da IURD consiste em geral numa atualização ou transposição das experiências religiosas de personagens bíblicas para os dias atuais. Isto ocorre em virtude do que entendem ser a Bíblia. Macedo não parece ver a Bíblia como a revelação proporcional de Deus, mas como um livro de experiências religiosas, que começa com Israel no Velho Testamento e termina com a humanidade em Apocalipse, experiências estas que podem ser repetidas nos mesmos moldes, nos dias atuais.
Assim, a repetição ou re-encenação de episódios e eventos bíblicos é utilizada como ferramenta que lhes permite usar as Escrituras como base de sua prática... Por exemplo, assim como Noé fez uma aliança com Deus, podemos nós também fazê-la. Assim como Josué cercou as muralhas de Jericó e ao som de trombetas elas caíram, assim podemos cercar as muralhas das dificuldades e problemas e derrubá-los em nome de Jesus (usando uma trombeta de plástico e uma muralha de isopor). A vara que Moisés usou, o cajado de Jacó, os aventais de Paulo – todas estas coisas, e muitas outras tiradas das histórias bíblicas, se tornam tipos da utilização de apetrechos semelhantes, aos quais é atribuída (apesar das negações em contrário) algum valor espiritual na resolução de problemas”. [5]
Leonildo Campos, usado como referência pelo dossiê, faz coro ao dizer que a Bíblia é muito mais que um depósito de símbolos, alegorias e de cenas dramáticas ou até um amuleto para exorcizar demônios e curar enfermos do que a Palavra de Deus, encarada por outros protestantes como “regra de fé e prática”, e para os fundamentais, a “regra infalível”. Campos é autor do livro “Teatro, Templo e Mercado” (S. Paulo: Simpósio Editora, 1999, p. 82) onde faz uma análise do uso da fé como instrumento de riqueza pelas igrejas neopentecostais e demais grupos positivistas.
Superficialidade e engodo psicológico
Devido à ênfase na liturgia envolvente, curas e exorcismos, os neopentecostais são na sua maioria superficiais na fé e no conhecimento das Escrituras, segundo expõe Marinho em “Pontos Discutíveis do Movimento Neopentecostal”. Não somente isso, mas também a falta de uma doutrina bíblica e discipulado fazem com que os indivíduos que recorrem aos templos neopentecostais permaneçam ignorantes em suas crendices e continuem a praticá-las. Nesse ponto, a IURD se assemelha ao catolicismo ao incorporar todo tipo de religiosidade oferecendo-lhe valores cristãos, ao mesmo tempo em que libera seus dizimistas para que frequentem outros locais de culto e não tenham que se submeter aos princípios bíblicos e cristãos.
Por outro lado, existe uma tentativa de “isolamento” desses indivíduos, tirando-lhes sua capacidade de discernimento e/ou compreensão dos fatos que ocorrem em seu entorno. Um exemplo disso é o uso da psicanálise nas reuniões da IURD, como revela o artigo A ciência dos transes (Época, 28 de abril, 2003) que compara as práticas neopetencostais aos princípios psicológicos defendidos por Emile Durkhein (autor do estudo sobre a função dos transes nas sociedades primitivas) e o neurologista Jean-Martin Charcot (que mostrou como as técnicas de hipnose induzem as incorporações de “espíritos”). Na matéria, a revista cita uma declaração de uma ex-fiel da Igreja Universal que revela como os bispos e seus auxiliares aprendem a induzir o transe.
“Quando a pessoa está tonta, fica mais aberta para manifestar os demônios”, diz a obreira Aparecida Santos, ex-fiel da Igreja Universal, atualmente na Igreja Internacional da Graça de deus. Ela costuma pôr a mão na cabeça dos fieis e fazê-la rodar. Outro recurso que funciona é tocar músicas altas no teclado, com acordes bem tenebrosos. ‘Porque o demônio não gosta de silêncio’, explica a obreira. Aparecida aprendeu as técnicas do exorcismo na Universal, onde passou cinco anos como auxiliar de pastores.” [6]
Outro recurso utilizado pela IURD é o chamado “Jejum dos 21 dias” período em que os fieis devem se concentrar nos discursos da igreja e se isolar do mundo externo, sendo proibidas de ter acesso a qualquer tipo de informação, seja por meio de jornais, sites, rádio ou televisão. “O Bispo Romualdo e os pastores têm sugerido acessar apenas o blog do Bispo Macedo onde haverá textos para meditação nesse período de Jejum”, revela o frequentador Alexandre Fernandes em uma página da web.
O objetivo do “jejum da separação”, segundo os líderes da IURD, é a busca de uma vida espiritual equilibrada. No site IURD.pt encontramos a seguinte afirmação.
“O jejum, para muitos, indica apenas o abster-se da bebida e da comida, e esse é o jejum normal. Já o santo jejum não está relacionado só com isso. E o que é que o/a impede de estar em espírito? Por exemplo, ler livros ou revistas que não falem de Deus, ouvir músicas ou notícias que não falem de Deus, ou seja, que não o/a conectem a Ele e não alimentem o seu espírito.
Iremos fazer um jejum que inclui não assistir televisão, não usar a Internet, não ler revistas e livros, etc. Vamos orar três vezes por dia, de manhã, à tarde e à noite, e você vai fazê-lo e vai-se santificar, fortalecer e investir no seu espírito, para que seja cheia d’Ele”
Apesar do objetivo aparentemente louvável da Igreja Universal, existe por trás um engodo psicológico perigo e que nos remete aos grupos conhecidos como “seitas destrutivas”. Tais segmentos recrutam novos discípulos com promessas de cura, prosperidade e encontro com Deus. Uma vez fisgado, o indivíduo é convidado a se juntar à igreja e se afastar de tudo que possa impedi-lo de desenvolver sua espiritualidade, como familiares e amigos próximos. A partir de então ele passa a pertencer à comunidade, isolando-se física e psicologicamente do mundo exterior. Nestas condições, a manipulação ou lavagem cerebral torna-se fácil, fazendo com que o novo discípulo concorde em entregar suas economias e se dedicar exclusivamente à comunidade religiosa, desenvolvendo atividades que beiram ao “escravismo”. É o caso da Seita do Rev. Moon, a Família (antiga Meninos de Deus), o Templo dos Povos etc.
A Igreja Deus é Amor, com toda sua ritualística e imposição doutrinária, promove algo semelhante ao submeter seus membros a um fanatismo cego e quase doentio, proibindo-lhes de assistir televisão, participar de festas ou mesmo ir à praia. O motivo pelo qual não há uma modernização nos padrões doutrinários da Igreja deve-se ao fato de que submetidos ao manto do fanatismo seus membros continuaram a ofertar e seguir fielmente os desmandos de seu líder máximo, o missionário David Miranda.
Na IURD, apesar da não-obrigatoriedade de se desenvolver uma vida religiosa pautada em usos e costumes, há problemas sérios relacionados às campanhas de prosperidade, como a fogueira santa que todos os anos arrecada milhões de reais e deixa famílias desamparadas, com a entrega quase que total de suas propriedades. Sendo não poucos os casos de ex-fieis que recorrem à justiça para reaver seus bens, com a alegação de indução ao erro.
Ausência da ética cristã
O maior problema relacionado às igrejas neopentecostais, e a IURD é o principal exemplo, é a ausência da ética cristã. Ela compreende diversos aspectos, desde a questão doutrinária até princípios morais defendidos pelo cristianismo bíblico. Augustus Nicodemos define a ética cristã nos seguintes termos:
“A ética cristã, em resumo, é o conjunto de valores morais total e unicamente baseado nas Escrituras Sagradas, pelo qual o homem deve regular sua conduta neste mundo, diante de Deus, do próximo e de si mesmo. Não é um conjunto de regras pelas quais os homens poderão chegar a Deus – mas é a norma de conduta pela qual poderá agradar a Deus que já o redimiu. Por ser baseada na revelação divina, acredita em valores morais absolutos, que são à vontade de Deus para todos os homens, de todas as culturas e em todas as épocas.”
A ética cristã pressupõe defesa dos bons costumes, da moral e de uma vida pautada nas Escrituras Sagradas. Aí temos a questão da defesa da vida, da família e da sociedade como pertencentes a Deus. Questões como o casamento e o aborto são uma das problemáticas quando comparamos a IURD a outras denominações cristãs. Com base em fatos puramente comerciais (digo “comerciais” no sentido literal da expressão), a IURD deixou de ver a vida como elemento máximo das decisões humanas, para transformá-la em uma oportunidade de negócio. A defesa do aborto nada mais é do que uma estratégia, um meio encontrado pela igreja para atrair católicos descontentes com sua religião. É com base em tais parâmetros que a Igreja Universal se define, delineando para o mundo que tipo de indivíduos frequentam seus templos.
São esses mesmos indivíduos que traem seus cônjuges, segundo pesquisa realizada pelo BEPEC – Bureau de Pesquisa e Estatística Cristã. De acordo com o estudo, a porcentagem de neopentecostais que afirmam terem alguma vez praticado infidelidade conjugal é de 26,51%, contra os 21,43% de pentecostais. Os dados revelados pela pesquisa comprovam que a ausência de um discipulado eficiente e ética cristã nas igrejas neopentecostais, resultam em uma massa crua e sem vida composta por indivíduos das mais diferentes confissões religiosas que procuram seus templos atraídos pela propaganda de prosperidade e cura divina. Uma nova reforma se faz mais que urgente.
Notas
1. CORAZZA, S. Templo é Dinheiro, Curitiba. Revista Ideias, maio de 2011
2. COELHO, I.G. Neopentecostalismo, Campinas – SP. Palestra ministrada em abril de 2004 na Faculdade Teológica de Campinas.
3. MARINHO, R. Evangélicos, quem são eles, por que crescem tanto e o que essa expansão significa para o Brasil e para o mundo. São Paulo – SP. Revista Super Interessante, fevereiro de 2004, pág. 55
4. MARINHO. W. Pontos Discutíveis do Movimento Neopentecosta. Ipatinga – MG.
5. Comissão Permanente de Doutrina da Igreja Presbiteriana do Brasil. Igreja Universal do Reino de Deus – Sua Teologia e Sua Prática. S. Paulo: Editora Cultura Cristã, 1997, p. 28
6. A Ciência dos Transes. São Paulo – SP. Época, abril de 2003 págs. 73 e 74
7. NICODEMOS A. Ética Cristã. São Paulo – SP. O Tempora, O Moraes, 2010.
Johnny T. Bernardo
é apologista, escritor, jornalista, colaborador da revista Apologética Cristã e do jornal norteamericano The Christian Post e fundador do INPR Brasil (Instituto de Pesquisas Religiosas). Há mais de dez anos se dedica ao estudo de seitas e heresias, sendo um dos seus campos de atuação a fenomenologia religiosa e religiosidade brasileira.
É também o autor da matéria “Igreja Dividida, as fragmentações do Catolicismo Romano”, publicada no final de 2010 pela Revista Apologética Cristã (M.A.S Editora). Assina também a coluna Giro da Fé da referida revista.
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